Escada de prédio
A MENSAGEM

Esmeraldina segurou firme nos braços dos óculos deixados sobre a cauda do piano. Mirou o bico da jarra na boca do copo de cristal e despejou o suco concentrado, extraído de tomates e de uma cabeça de alho. As maçãs do seu rosto estavam ruborizadas, após as trocas de palavras, via Whatsapp, com o testa de ferro do empresário. Estar próxima das veias do crime eram ossos do ofício dessa advogada de gente importante. Remuneração mais do que suficiente para pagar suas contas e tirar, por várias vezes, familiares imprudentes da barriga da miséria.

Mulher olhando pela portaSe chegou aonde chegou foi por mérito próprio, pela força de seu voo de águia. Cabeça solitária num apartamento de três quartos quase quitado, num bairro central da cidade. Esmeraldina olhou o derradeiro sorriso do sol por sobre os ombros do armário da cozinha. De repente ouviu um grito feminino, agudo e longo vindo do umbigo do hall de serviço. Correu a mirar pelo olho mágico da porta. O vazio do ambiente preencheu as asas da sua imaginação. Já na pele de uma detetive, abriu a porta que acionou o sensor da luz do hall e chegou ao pé da escada. Assim falou em tom médio, rimando:

– Ei você que está nas garras do perigo, que tal um dedo de prosa comigo?

A ansiedade do silêncio foi pesando. Esperou parada alguns instantes. Subitamente, recebeu na manga da camisa a pontada do nariz de um aviãozinho de papel, lançado debaixo pra cima, pela curva da escada. Tapou com seu corpo a visão da câmera de segurança. E disfarçadamente pegou, no primeiro degrau, o objeto que continha alguns sinais. Esmeraldina foi se afastando e logo entrou no seio do seu apartamento. Pensando no rabo de foguete em que estava se metendo, bateu o joelho na perna da mesa e foi parar nas costas da poltrona da sala.

Aviãozinho de papel

Com a curiosidade lá no céu da boca, correu a desdobrar o corpo do aviãozinho para ler a mensagem. O primeiro registro era um carimbo, com o desenho feito à mão do escudo do seu time de futebol. O mesmo da tatuagem que Esmeraldina carregava na batata da sua perna direita. Será que alguém havia descoberto o seu calcanhar de Aquiles? Quem seria essa carne de pescoço que deu o grito? Na continuação da mensagem de socorro, mais um olhar de desafio. Desvendar a raiz de uma charada: “O que flutua na boca da noite e abafa na garganta da cachoeira?” Precisava de uma bebida mais forte para dissecar o miolo da questão. E mais, responder rapidamente para a misteriosa face oculta. Abriu o bar e segurou o pescoço da garrafa de um bom conhaque, mais um vidro com Línguas de gato. Chocolate e conhaque, uma boa combinação nos suspiros do suspense. E foram caindo ideias:

– “Seria o coração da mata? Ou o pé de meia? O choro de crocodilo, os cabelos da vassoura, as costas do mar …?”

Finalmente Esmeraldina escreveu sua resposta numa das orelhas da folha de papel do aviãozinho. Na outra, incluiu o número do seu celular de trabalho. Redobrou o papel e voltou ao hall de serviço. Faltava, então, estudar como o objeto faria a mesma curva no braço da escada, agora de cima para baixo. Preparou o ângulo, a mira… 1, 2 e 3.

Imagens:
Cabeçalho Escada / Acervo pessoal
Capa Avião de papel / Clipart
Mulher espiando / Freepik 

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