CONVERSAS E MÚSICAS SOBRE PEIXES
Os peixes são fascinantes. Para viver dentro da água, possuem um corpo com formato alongado e design hidrodinâmico, com escamas protetoras, que facilita a movimentação nesse meio. Usam as brânquias ou guelras laterais pra respirar. Podem trazer várias cores, como as lindas carpas, que encontramos em jardins e restaurantes orientais. Queremos vê-los nadando. Assim pedem Os Doces Bárbaros na canção Peixe (1976) de Gilberto Gil. “Peixe. Deixa eu te ver, peixe. Verde. Deixa eu ver o peixe. Vi o brilho verde. Peixe prata.”
No início dos anos 60, ainda criança, eu olhava sempre os peixes do lago da Praça da Catedral em Botucatu, onde morava. Uma vez peguei com uma bacia alguns peixinhos de lá e levei pra casa. Ao chegar do trabalho, minha mãe me convenceu que no lago eles viveriam mais felizes. Uma bela descrição desses seres está em Os Peixinhos (2017) de Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte e Carminho, com Os Tribalistas e a cantora portuguesa Carminho. “Os peixinhos são flores sem o chão nadam, boiam, fazem bolhas e bolinhas de sabão como lindos são coloridos tão espirrando gotas como notas na canção nas vitrines máscaras de aquários dos mergulhadores furtam do arco-íris tantas cores…”.
Quando foi inaugurada a Represa de Jurumirim em Avaré, SP, em 1962, meu primo Beto Marins me levou pra pescar lá. E na primeira lançada da varinha de pesca na água, pescou um mandi, um lindo peixe da família dos bagres. O bichinho veio chorando e ficamos com muito dó dele. Aí o Beto, com muito cuidado e o apoio de um pano de prato sobre os lisos bigodes do mandi, conseguiu tirá-lo do anzol e devolvê-lo à represa. O bagre é citado por Xangai, na canção “Jundiá” (1990), que é o nome de um córrego de Vitória da Conquista, sua cidade natal. “Jundiá, Jundiá. Córrego de água saloba. Bagre marrom de água doce. Bom de dar água na boca. Nasci lá.”
Mesmo sendo bichos da terra, saber nadar é importante. Para um refresco, terapia ou praticar natação na piscina. Ou para esportes aquáticos em rios, represas e no mar. Uma tradicional canção chamada “Peixinhos do Mar”(1992), adaptada por Tavinho Moura, na voz de Pena Branca e Xavantinho, lembra dessa necessidade dos terráqueos, imitando os animais da água. “Quem me ensinou a nadar. Quem me ensinou a nadar. Foi, foi marinheiro, foi os peixinhos do mar”.
Qual será o tipo de música que mais combina com as pessoas do signo de peixes? Piscianos são sensíveis, sensitivos e sonhadores. E como se fala peixe em outras línguas? Peixe em inglês é fish. Em francês é poisson. Em espanhol é pez. Em japonês é sakana. Na canção “Estrela do Indaiá” (1979), de Chico Xaves e Marlui Miranda, presente no disco Olho d´Água, Marlui Miranda ensina como se pronuncia peixe na língua tupi.” Índia, ainda índia. Indiará, indiará. Inda volto minha estrela do indaiá. Como o rio, meu caminho corre sempre para lá. O que é rio no seu mundo é Paraná. O que é peixe, e que navega no Araguaia é pira. O que é Paraná-Waçu é o mar.”
O Brasil é disparado o país que mais abriga peixes de água doce no mundo. São cerca de 2 590 espécies. Mas o exercício da pesca em rios é controlado. Hoje existe uma lei para garantir o desenvolvimento sustentável da atividade no país, em sintonia com a preservação da água e das espécies animais. Um verdadeiro código de ética que proíbe a pesca predatória, em tempos de procriação, a chamada piracema, entre novembro e fevereiro, variando em cada bacia hidrográfica. A pescaria no mar também é hoje rigidamente vigiada, pelos mesmos motivos. Existe, entretanto, um tipo de pesca comercial mais invasiva, com uso de rede de arrasto que é lançada à água a partir de uma embarcação. Uma passagem com pescadores é contada em “Arrastão”, composta nos anos 60 por Edu Lobo e Vinícius de Moraes, que ficou famosa na voz de Elis Regina em 1965. “Ei, tem jangada no mar. Ei, ei, ei, hoje tem arrastão. Ei, todo mundo pescar… Olha o arrastão entrando no mar sem fim. Ei, meu irmão, me traz Iemanjá pra mim… Valha-me, Deus, nosso Senhor do Bonfim. Nunca, jamais se viu tanto peixe assim”.
Peixes são ótimos alimentos. Que o digam os povos antigos. Encontramos menções em passagens bíblicas. Milton Nascimento e Fernando Brant fazem uma analogia crítica ao momento político brasileiro vivido em 1974, ano de lançamento do álbum Milagre dos Peixes, que teve várias letras censuradas. “Eu vejo esses peixes e vou de coração. Eu vejo essas matas e vou de coração à natureza… Eles não falam do mar e dos peixes. Nem deixam ver a moça, pura canção. Nem ver nascer a flor, nem ver nascer o Sol. E eu apenas sou um a mais, um a mais. A falar dessa dor, a nossa dor… Eu que amo meus amigos. Livre, quero poder dizer. Eu tenho esses peixes e dou de coração. Eu tenho essas matas e dou de coração”.
Peixes também são saborosos e nutritivos. Muitas espécies, como a sardinha, a tilápia, a pescada branca, a merluza e o cação fazem parte do cardápio nacional. Pratos com o bacalhau são uma herança da culinária portuguesa. Atum, robalo, salmão compõem sashimis e sushis, na culinária japonesa. O modo de preparo para um peixe frito, cozido ou empanado pode ter diferentes receitas e levar vários ingredientes. Djavan recomenda o tempero com limão na canção do mesmo nome. (1994).” A chuva parou. O dia renasce para o passeio. Para o amor, para o trabalho. A princípio o cheiro é a primeira coisa a lembrar. O chão enxugando, aquecendo. As poças diminuindo. O povo, os animais, o vai-e-vem. É dia de colher, é dia de pescar. Preparar o peixe. Cheiro de limão me encanta”.
Na infância do meu filho Tom, começo dos anos 2000, montamos um pequeno aquário com peixinhos vermelhos ornamentais em nosso apartamento. E, nos feriados, acompanhamos Tom nas pescarias no lago da Fazenda dos Perosa em Urupês, interior de São Paulo. Precedia a caça às minhocas nas beiradas do lago. E, depois a paciência impaciente da espera de pequenos lambaris que, finalmente, fisgavam o anzol. Vale à pena lembrar do boom da gostosa época dos pesque pagues. Um no sítio Santa Marta, montado pelo primo Paulo Bertini em Botucatu, SP. Outros lá pras bandas de Rio Preto e Urupês, SP. Mas, pescador do bão, aquele que faz da pescaria seu hobby preferido tem que conhecer detalhes sobre a maneira de pescar e preparação dos equipamentos, para cada tipo de peixe e rio onde quer pescar. Como contam Gino e Geno na música “Pescaria” (2007) de Laudarcy Ricardo De Oliveira / Henrique Sergio Werneck Ferreira. “Rebojo de água suja é lugar de peixe juntar. Eu armo o anzol de galha pra pegar um marruá. Meu rancho fica na beira. De cá escuto bater. Daqui da porta do rancho eu vejo a galha tremer. Pescador que é pescador pisa mansinho no barranco. Chega de vagar na ceva pra evitar o espanto. Tira a branca da capanga. Toma um gole pra esperar. Linha balançou não mexe, deixa o bicho mamar. A linha tem que ser grossa, a isca é minhocuçu. O braço tem que ser forte pra emborcar o bambu”.
VOCABULÁRIO. Rebojo: lugar de rodamoinho d´água. Marruá: garrote bravo. Faz tibungo: afunda rápido. Encastoado: atado a um cabo de aço inoxidável. Galha: varinha de pesca.
NOTA. Pesquisa histórica, musical e texto por Nando Cury.
Imagens:
Cabeçalho: Pai e filho pescando/Freepik
Capa: Homen pescando/Freepik
Homen pescando/Freepik
Homens no barco/Freepik
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