JOÃO DONATO: UMA BIOGRAFIA MUSICAL DOS ANOS 50 A 90
Apesar de contemporâneo dos bossanovistas João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Johnny Alf, João Donato é mais lembrado pelo seu gênio criativo, que o promove como um músico fora dos padrões, misturando o jazz com a música latina. E como pianista de toque inconfundível, carregando suingue e belas combinações harmônicas, inspirado em Johnny Alf (1929-2010).
João Donato de Oliveira Neto, o João Donato, nasce em Rio Branco, em 17 de agosto de 1934. O gosto musical é herdado da família. Seu pai, major da aeronáutica, tocava bandolim. Sua mãe gostava de cantar. Sua irmã mais velha Eneyda queria ser concertista de piano. Menino prodígio, aos cinco anos Donato começa a tocar arcordeom. Aos oito compõe sua primeira canção, a valsa “Nini”. Aos doze ganha dois arcordeons de 24 e 120 baixos do pai. Nessa idade, já está morando com a família no Rio de Janeiro. E Donato marca presença no circuito musical de festas de colégios da Tijuca e arredores. Participa também de jam sessions na casa do cantor Dick Farney. Vira membro do Sinatra-Farney Club, convivendo com Johnny Alf, Nora Ney, Dóris Monteiro, Paulo Moura e outros. Apesar de não ser aceito no programa de Ary Barroso, profissionaliza-se em 1949, aos quinze anos.
Sua primeira gravação como músico, aos 15 anos, tocando acordeom, acontece integrando a banda do flautista Altamiro Carrilho. Donato toca acordeom nas faixas “Brejeiro” de Ernesto Nazaré e “Feliz Aniversário” de Carrilho de um disco em 78RPM de 1949.
Aos 17 anos protagoniza um romance polêmico. Namora Dolores Duran que tem 21 anos e é mais velha que ele, o que provoca um choque para a época. A pressão familiar acelera o término do namoro e Donato decide morar no México por um tempo.
A partir de 1953 Donato começa a formar seus conjuntos musicais, como o Donato Trio e Os Namorados, com quem lançou versões instrumentais para conhecidas músicas americanas, como “Tenderly”, sucesso de Nat King Cole e “Se acaso você chegasse” de Lupicínio Rodrigues.
Seu primeiro LP ”Chá dançante” com Donato e Seu conjunto é lançado em 1959 pela Odeon. Quem assina a produção musical é Tom Jobim, então diretor artístico da gravadora. João Donato toca acordeom e piano, em algumas faixas Tom Jobim toca piano em outras. E participam Paulo Moura (clarinete), Altamiro Carrilho (flauta), Jorge Marinho (contrabaixo) e Juquinha Stockler (bateria). O repertório escolhido por Jobim tem “No Rancho fundo” (Lamartine Babo e Ary Barroso), “Carinhoso” (Pixinguinha, João de Barro), “Baião” (Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira). O destaque vai pra “Comigo é assim” de José Menezes e Luiz Bitencourt.
Nesse mesmo ano Donato retorna para o México em shows com o guitarrista Nanai, ex-integrante do grupo Os Namorados e com a cantora Elizeth Cardoso. De lá, segue para os Estados Unidos e Caribe onde permanece por três anos. Nessa temporada adapta influências do jazz com a música caribenha, integrando orquestras de Mongo Santamaría, Johnny Martinez, Cal Tjader e Tito Puente. Então excursiona com João Gilberto pela Europa.
Regressando ao Brasil, em 1962, em pleno vigor da bossa nova, Donato grava o LP “Muito à vontade”, com Donato e Seu Trio. Tocam com Donato: Tião Neto no contrabaixo, Milton Banana na bateria e Amaury Rodrigues no pandeiro e bangô. Destacam-se as canções: “Sambou sambou” de João Mello e Donato, “Olhou ora mim” de Ed Lincoln e Sylvio Cesar, e “Caminho de casa” de Donato e “Minha Saudade” de João Gilberto e Donato.
O LP “A Bossa Muito Moderna de João Donato e Seu Trio”, com a mesma formação anterior da banda, chega em 1963, pelo selo Polydor. E apresenta duas importantes músicas de Donato: “Índio Perdido” e ”Villa Grazia’ que é o nome da pousada onde o Donato se hospedou em Lucca, na Itália, acompanhando João Gilberto na turnê europeia. As duas canções tornam-se mais conhecidas mais tarde quando ganham letras de parceiros famosos e recebem os respectivos nomes de Lugar Comum e Bananeira. Os destaques vão para: “Só danço o samba” de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, “Noa Noa” de Sérgio Mendes, “Depois do Natal” de João Donato, Lysias Ênio e João Mello e “Silk Stop” de Donato.
Em 1964 Donato muda-se novamente para os Estados Unidos e lá permanece por quase uma década. Trabalha com Nelson Riddle, que fez arranjos para Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Nat King Cole e Dean Martin. E também com o famoso flautista Herbie Mann, o pistonista Chet Baker, com o flautista e saxofonista Bud Shank e o percussionista Armando Peraza. Sua passagem por lá, coloca Donato junto com João Gilberto, Tom Jobim, Moacir Santos, Eumir Deodato e Sergio Mendes no nobre time dos músicos que tornam a música brasileira reconhecida internacionalmente.
Em 1970, em Los Angeles pela Thumb Records, grava o ´belo álbum instrumental totalmente autoral “A Bad Donato”. Nele Donato toca seu piano Rhodes e órgão. E leva a parceria de Eumir Deodato nos arranjos. As composições, navegam por vários ritmos indo pelo funk, fusion até o pop quebrado e sambalanceado. Imperdíveis são: “Celestial showers”, “Bambu”, “Straight Jacket” e “The Frog”. The Frog, A Rã é a canção mais regravada da carreira de Donato, aqui com levada funk dance imposta por Donato. Anteriormente, em 1968, Sérgio Mendes inclui uma ótima versão de “The Frog” no álbum “Look Around” com Sérgio Mendes e Brasil 66 de 1968, vale à pena ouvir.
De volta ao Brasil em 1972, Donato passa o Natal na casa de Marcos Valle no Rio de Janeiro. Lá três decisões importantes acontecem para direcionar seu próximo disco de 1973. A primeira é o encontro com Agostinho dos Santos que o incentiva a incluir letras em suas canções instrumentais. Agostinho sugere também que ele seja o cantor. Recebe ainda o pedido de Marcos Valle que quer ser o produtor do disco. Assim, nasce “Quem é quem”, o primeiro álbum que tem Donato como cantor e letras compostas por outros autores. Duas canções são instrumentais: “Amazonas” em parceria com o poeta e seu irmão Lysias Ênio, que tem o arranjo de Stan Guest. E “Me deixa” em parceria com Geraldo Carneiro. Donato canta sete canções. Destacam-se “Fim de sonho”, em parceria com João Carlos Pádua, “Terremoto”, mais uma com Paulo Sérgio Pinheiro. E também as que divide a autoria com Lysias Ênio, as belas “Até quem sabe” e “Mentiras” cantada por Nana Caymmi que vamos ouvir.
“Lugar comum” de 1975 é um dos álbuns mais populares do cantor. Traz pela segunda vez Donato cantando e suas melodias vestindo letras de outros compositores famosos. Oito canções são com Gilberto Gil. Entre elas: “A bruxa de mentira”, que tem participação de Gil no vocal. E “Emoriô, ”Lugar comum” e “Bananeira” que são cantadas por Donato. Segundo ele, logo ao ouvir a sua nova melodia, “Gil inventou que era “bananeira não sei / bananeira sei lá (…)”. Daí ele disse: “quintal do seu olhar”. Gil completou com: “olhar do coração”. A segunda parte saiu como se fosse um ping-pong. O álbum traz ainda “Ê Menina” na parceria de Donato com Gutemberg Guarabyra..
“Gozando a Existência” é considerado um álbum experimental de Donato. Gravado em 1978, Donato conta com a ajuda de Roberto Menescal, que gratuitamente cedeu o estúdio da sua gravadora. Um detalhe interessante: as noves faixas foram recuperadas pelo pesquisador musical Marcelo Fróes. Abrindo o LP, o tema instrumental “Zra Zra” de Fernando Leporace, tem momentos que lembram as “farras harmônicas” de Hermeto Paschoal. Um marcante vocal de Alaíde Costa aparece na música título “Gozando a Existência”. Entram ótimas surpresas como “Toshiro” de Novelli e “Testamento” de Nelson Angelo e Milton Nascimento. E tem “Praia”, uma bossa elegante de Helvius Vilela que traz os vocalizes de Donato.
Como curiosidade, o nome “Leilíadas” que batiza o álbum ao vivo de 1986 de Donato, vem de Leila considerada pelo músico uma “musa eterna”. João declara em 1990, na entrevista no programa do SBT de Jô Soares, que havia criado mais de 100 composições com o nome Leila, naquela época. São temas de diferentes formações melódicas e rítmicas. Por exemplo Leila II ensaia uma rumba, incluindo incidentalmente “Na baixa do sapateiro”, Oh Bahia, de Ary Barroso. Leila VI (Lua dourada), em parceria com Fausto Nilo, tem uma levada funk soul. Leila IV vira A Paz, um bolero com letra de Gilberto Gil. Outro bolero é Leila XII que vira “Nua Ideia” com letra de Caetano Veloso e está presente em outro álbum de Donato. O destaque vai para o pop soul “Leila III”, com a voz de Donato.
O CD Coisas Tão Simples, lançado pela EMI Odeon, sai em 1996. Traz as lindas canções “O Fundo”, em parceria com Caetano Veloso e “Flor de maracujá” com Lysias Ênio. Resgata alguns sucessos de Donato em parceria com Gil, anteriormente presentes no álbum “Lugar Comum” de 1975. Como a própria canção “Lugar Comum e “Bananeira”, cantadas por Donato, com o apoio das vozes vibrantes de Nair Cândia e Fabíola Pires, ora dobrando com Donato, ora em coro ou em contracanto. Nair e Fabíola continuam nos vocais com Donato em “Gaiolas abertas”, de Donato e Martinho da Vila. Inesquecível é “Nasci para bailar” de Donato e Paulo André Barata, que foi sucesso na versão de Nara Leão de 1982, batiza o disco da cantora com selo da Universal Records e traz o mesmo arranjo de Donato.
Café com pão, de 1998, registra o encontro de João Donato com o talentoso baterista e compositor Eloir de Moraes Conhecido como o “jazz man brasileiro”, surpreendentemente Eloir grava somente aos 71 anos o seu disco de estreia. O álbum instrumental inclui “Fibra”, uma canção de Eloir e Paulo Moura. E traz algumas das principais canções de Donato, como A “Paz” parceria com Gil, “Até quem sabe” com Lysias Ênio, “Sambou, sambou” de Donato, e João Mello, Nua ideia (Leila XII) com Caetano. A canção título “Café com Pão” é mais uma parceria de Donato e Lysias Ênio.
No CD Só Danço Samba, de 1999, gravado pela Lumiar, com produção assinada por Almir Chediak, Donato se depara, mais uma vez, com a responsabilidade de executar as músicas de Tom Jobim. Por isso, não faltam cuidados tanto na escolha do repertório, quanto na composição dos arranjos. E nem nos temperos, ao quebrar os tempos, numa deliciosa mistura de sambossa com suingue, Imperdíveis são: “Só danço o samba” (Tom Jobim, vinicius de Moraes), “Garota de Ipanema” (Tom Jobim, Vinicius de Moraes), “Ela é carioca (Tom Jobim, Vinicius de Moraes), “Outra vez” (Tom Jobim) e “Brigas nunca mais” (Tom Jobim, Vinicius de Moraes, que vamos ouvir.
NOTA: Pesquisa biográfica. pesquisa musical e texto por Nando Cury
Imagens: Capas dos discos de João Donato
Ouça a versão em podcast com as músicas
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