PELAS RUAS, AVENIDAS, LARGOS E PRAÇAS DE SAMPA
É tradição? É história? É charme? É conteúdo? Quais são os motivos que tornam famosas as vias da cidade de São Paulo? E, além disso, contribuem para que elas ganhem versos e melodias.
Uma praça especial, ruas e avenidas importantes do bairro de Pinheiros receberam homenagens na música “Modão de Pinheiros” (Maurício Pereira), lançada pelo grupo O Terno, em 2012. O bairro é famoso por uma feirinha de antiguidades, montada na Praça Benedito Calixto, pelos inúmeros restaurantes e bares e pela agitada vida noturna, além de um comércio variado. “Foi no bairro de Pinheiros. Que eu me entreguei por inteiro. Para uma linda moça. Que descia a Rebouças. Ela entrou na Henrique Schaumann. Eu logo perdi a calma. Virando na Teodoro. Eu falei: “eu te adoro”. Respondeu-me “deixa disso!”. Na Benedito Calixto”.
A Rua Augusta dispara como a via mais citada. Na época da Jovem Guarda, a Augusta trazia badaladas galerias, lojas finas de roupas e de sapatos sob medida. Nos finais de semana virava a rua da paquera nos desfiles de carros. Alguns pilotos mais arrojados, com suas turminhas do barulho, ousavam correr de forma totalmente deselegante na elegante via. A exemplo do “ousado” Ronnie Cord que em 1963, faz sucesso com “Rua Augusta” (Hervé Cordovil).” “Entrei na Rua Augusta a 120 por hora / Botei a turma toda do passeio pra fora. Fiz curva em duas rodas sem usar a buzina. Parei a 4 dedos da vitrina. Hay Hay Johnny. Hay Hay Alfredo. Quem é da nossa gang não tem medo”.
Em 1970, a Augusta era chic e estava na crista da moda. Foi também citada pelos Mutantes na música “Hey Boy” (Arnaldo Baptista, Élcio Decário) : “He he he hey boy. O teu cabelo tá bonito hey boy. Tua caranga até assusta hey boy. Tchu aa uu. Vai passear na rua Augusta tá. He he he hey boy. Teu pai já deu tua mesada, hey boy. A tua mina tá gamada hey boy”.
Entretanto, em 1973, numa canção bem-humorada e resolvida, a rua Augusta dividia o seu protagonismo com duas ruas vizinhas e, do mesmo modo, cheias de requinte. Uma tal de Avenida Angélica, que passa pelo Parque Praça Buenos Aires e é a principal via do bairro de Higienópolis. E outra que é metade rua e metade avenida. A Rua da Consolação, com seus históricos Cemitério, Igreja, a Praça Roosevelt e a Biblioteca Mário de Andrade, no número 94. A canção é “Augusta, Angélica e Consolação” do inusitado Tom Zé. “Augusta, graças a deus. Graças a deus. Entre você e a Angélica. Eu encontrei a Consolação. Que veio olhar por mim E me deu a mão”.
Em 1978, morador da cidade e na sua visão musical de “Sampa” (Caetano Veloso), Caetano Veloso mencionava duas avenidas centrais e famosas: Ipiranga e São João. “Alguma coisa acontece no meu coração. Quando eu cruzo a Ipiranga e a Avenida São João”. Em outro momento põe a frase “dura poesia concreta de tuas esquinas”, que levam aos símbolos arquitetônicos dessas importantes avenidas, que se cruzam no centro de São Paulo.
No quarteirão desse cruzamento, com frente para a Avenida São João, no número 677, fica a antiga casa onde funciona o tradicionalíssimo Bar Brahma, símbolo da boemia paulistana, inaugurado em 1948. Seguindo pela Avenida Ipiranga, no número 200 tem o Edifício Copan, projeto de Oscar Niemeyer e no número 344 está o belo Edifício Itália, com seu mirante e restaurante no Terraço Itália.
Continuando pela Avenida São João em direção ao bairro, chega-se ao grande Largo do Arouche, que vai da Av. São João até a Avenida Duque de Caxias. E abriga tradicionais estabelecimentos comerciais como o Mercado das Flores, o restaurante francês Le Casserole e o italiano Gato que Ri. Abriga o prédio onde funciona a Academia Paulista de Letras. Enveredando pelo estilo Língua de Trapo, o cantor Criolo conta uma intrigante história que se passa nesse local, na sua canção ”Freguês da Meia Noite”, de 2011. “Meia Noite. Em pleno Largo do Arouche. Em frente ao Mercado das Flores. Há um restaurante francês. E lá te esperei. Meia Noite. Num frio que é um açoite. A confeiteira e seus doces. Sempre vem oferecer. Furta-cor de prazer”
Adoniran sempre desenvolveu canções com temas bem paulistanos. Em 1976 traz “Um Samba no Bixiga”, que relata uma confusão de um conhecido seu, chamado Nicola, que morava na Rua Major Diogo. “Domingo nós fumo num samba no bexiga. Na rua Major, na casa do Nicola. À mezza notte o’clock. Saiu uma baita duma briga. Era só pizza que avuava junto com as brachola”.
Dois anos “despois”, Adoniran lança “Praça da Sé”, já reinaugurada e com estação de metrô, numa letra na qual reclama do progresso e conta das coisas que se perderam com a reforma. “Da nossa Praça da Sé de outrora. Quase que não tem mais nada. Nem o relógio que marcava as horas. Pros namorados. Encontrar com as namoradas”.
Cabe ao disruptivo Itamar Assumpção a inclusão musical da Avenida Paulista. As atrações da ”avenida das avenidas” entram no estranho enredo do seu “Sampa Midnight”, em 1983.” “Sampa Midnight. Eu assessorado de mais dois chegados. Bartolomeu e Ptolomeu. Partimos pra comemorar. Não lembro o quê numa boite. Escabrosa noite. Deu blackout na Paulista. Breu no Trianon. Cadê o vão do museu, sumiu. Meu Deus do céu que escuridão”.
Também em 1983, o Grupo Rumo lança seu terceiro álbum “Diletantismo”. E nele está presente mais referências à icônicas vias públicas de São Paulo. Entram na canção “Ladeira da Memória” de Zé Carlos Ribeiro, solada por Ná Ozetti. “Olha as pessoas descendo, descendo. Descendo a Ladeira da Memória até o Vale do Anhangabaú. Quanta gente. Vagando pelas suas sem profissão. Namorando as vitrines da cidade”.
Nota 1: pesquisas histórica e musical, texto por Nando Cury
Nota 2: crônica escrita complementar ao podcast episódio 116 do canal Semônica do podcastmais.com.br
Nota 3: Em 1974, quando ainda tentava a sorte na cidade, o cantor e compositor Belchior lançou “Passeio”, que falava sobre a Rua da Consolação e o centrão. ““Vamos andar pelas ruas de São Paulo. Por entre os carros de São Paulo. Meu amor, vamos andar e passear, vamos sair pela Rua da Consolação. Dormir no parque em plena quarta-feira. Ensinar com o domingo em nosso coração”.
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