BOCA LIVRE: UMA BIOGRAFIA MUSICAL
Em 1978 aparece o Boca Livre, um grupo musical que traz uma nova proposta em composições, arranjos e performances vocais. Na história da MPB, tivemos outros exemplos anteriores bem conhecidos e bem sucedidos, como Os Cariocas, O Quarteto em Cy e o MPB4. Na formação original do Boca Livre participam Zé Renato (violão e voz), Cláudio Nucci (violão e voz), David Tygel (viola e voz) e Maurício Maestro (baixo, voz e arranjos). O nome surge da percepção de que eles tinham a boca livre para cantar.
E essa liberdade se estende ao modo de lançamento do primeiro álbum e LP “Boca Livre”, em selo independente, que ultrapassa cem mil cópias vendidas, um verdadeiro marco nesse tipo de produção musical. Duas lindas músicas viram sucessos e se alternam na programação das rádios: “Toada” de autoria de Zé Renato, Cláudio Nucci e Juca Filho e “Quem tem a viola” de Zé Renato, Cláudio Nucci e Xico Chaves. No repertório do disco há outras canções imperdíveis, como “Feito Mistério” de Lourenço Baeta e Cacaso, “Diana” de Toninho Horta e Fernando Brant, Ponta de Areia de Milton Nascimento e Fernando Brant e “Barcarola do São Francisco” de Geraldo Azevedo e Carlos Fernando.
O segundo disco, também de produção independente, denominado “Bicicleta” sai em 1980. O grupo traz uma nova formação com Lourenço Baeta no lugar de Cláudio Nucci que decidiu por carreira solo. Conta com as participações especiais de Naná Vasconcelos, na percussão, Danilo Caymmi, na flauta, Léo Gandelman, no sax e clarone e de Tom Jobim, que toca piano em “Correnteza” de Tom Jobim e Luiz Bonfá, combinando com uma vibrante harmonia vocal do Boca Livre. Inesquecíveis são: “As Moças” de Zé Renato e Juca Filho, “Bicicleta” de Zé Renato e “Um canto de trabalho” de Nelson Ângelo e Cacaso.
Dois anos se passam e, com selo Polygram, o Boca Livre lança o LP “Folia”, que contém brilhantes composições autorais. Em especial, no lado A, onde o destaque vai para o poeta Xico Chaves, que faz parceria e assina cinco letras. Imperdível é “Se meu jardim der flor” de Zé Renato e Xico Chaves, que conta com as vozes inesquecíveis de Ruy, Miltinho, Magro e Aquiles, integrantes do MPB4, em contracantos. E no mesmo selo de qualidade aparecem as canções “Folia” de Lourenço Baeta e Xico Chaves, “Chegou no Vento” de Vinicius Cantuária e Xico Chaves e “Pirilampo” de Lourenço Baeta e Xico Chaves.
Lançado em 1983 pela Phillips, o quarto álbum de estúdio do Boca Livre repete o nome do grupo. E ousa abrir com a tropicalista “Panis et Circenses”, de Gilberto Gil e Caetano Veloso. No mesmo lado apresenta “Titicaca” até então uma canção inédita de Gilberto Gil e uma versão muito bem cantarolada da famosa “Música das Nuvens e do Chão” do mago Hermeto Paschoal. A imperdível é “Ânima” composta por Zé Renato e Milton Nascimento.
“Dançando pelas sombras”, que chega em 1992, e depois é relançado em 2018, traz nova alteração de formação com Fernando Gamma, tocando violão de 12 cordas e voz, no lugar de David Tygel, permanecendo Zé Renato, Lourenço Baeta e Maurício Maestro. Este é um disco de versões imperdíveis, como “Gothan City” de Jards Macalé e Capinan, “Cruzada” de Tavinho Moura e Márcio Borges e “Oriente” de Gilberto Gil. Destacam-se as composições “Dança do Ouro” de Zé Renato e Lourenço Baeta e “Todos os Santos” de Maurício Maestro e Joyce Moreno.
O novo álbum “Americana” sai em 1996 e vem com levada pop. O rótulo de canção mais envolvente vai para “Sem saída” de Fernando Gamma, que contém frase cantarolada que lembra o Yes. Surpreendentes são “Americana” de Maurício Maestro e Joyce Moreno e “Duas praias” de Lourenço Baeta e Zé Renato. No destaque vem uma incrível versão para Ï need you” de George Harrison.
O CD “Amizade” chega, em 2013, em comemoração aos 30 anos de carreira do grupo. Reúne novamente David Tygel, Zé Renato, Lourenço Baeta e Maurício Maestro. E ajuda a eleger o Boca Livre como a Melhor Banda no Prêmio de Música Brasileira desse ano. A linda canção título “Amizade”, composta por Maurício Maestro e Marcos Valle, pode lembrar em alguns momentos os vocais do MPB4. “A amizade é dom que não se aprende, não”. Outras imperdíveis são “Água Clara” de Maurício Maestro, “Rio Amazonas” de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro e “Mistério do Prazer” de Ricardo Silveira.
A produção seguinte resulta em “Viola de Bem Querer” de 2019. Mais um álbum independente e dedicado a cantigas com fundo de viola. As canções mais vibrantes são “Santa Marina” de Lourenço Baeta e Cacaso, “Noite” de Zé Renato e Joyce Moreno e a releitura de “Amor de Índio” de Beto Guedes e Ronaldo Bastos.
Em 2022 é lançado “Pasieros” (Parceiros) um surpreendente álbum do cantor panamenho Rubén Blades com o Boca Livre, que havia sido gravado em 2011. Contém 11 composições de Rubén Blades e os arranjos são de Maurício Maestro. Destaques para a voz de Rubén Blades perfeitamente entrosada com os vocais do Boca Livre, o que naturalmente leva ao Grammy de Melhor Álbum Pop Latino de 2023. Entre as canções incríveis estão “Sin tu carino” de Louis Ramirez e Rubén Blades, “Caminando” de Rubén Blades, “Dia a Dia” de Lori Carlson e Rubén Blades, “Dime” de Rubén Blades e a rumba “Buscando Guayaba” de Rubén Blades que tem a participação de João Donato ao piano.
E se em determinado momento da história houve divergências que afastaram os integrantes do Boca Livre levando, por um curto período, um tão aclamado grupo artístico à inatividade, a reconciliação é selada com o lançamento de um single pela Som Livre em 27 de outubro de 2023. A vibrante canção “Rio Grande”, que batiza o streaming, tem melodia de Zé Renato, letra de Nando Reis e é enriquecida pelo detalhado arranjo vocal de Maurício Maestro. Assim, fica o registro não do final, mas da reabertura da biografia musical do Boca Livre.
OUTROS ÁLBUNS RECOMENDADOS
Boca Livre em Concerto, de 1989.
Boca Livre Convida 20 anos, de 1997, com selo Universal.
Boca Livre e 14 Bis, de 2000, com selo Índie Records
LETRA EM DESTAQUE
Folia (de Lourenço Baeta e Xico Chaves)
Se a sanfona chora eu canto
Canto de coração
Quando a folia passa
Puxando a multidão
Mão de pegar enxada
Dura como uma pedra
Quando pega na sanfona
É rosa amarela
Voz que com o gado berra
Já criou calo na goela
Quando vem cantar folia
Vai pintando uma aquarela
Êh, minha folia
Minha estrela do oriente
Luz da estrada vem e guia
O destino dessa gente
NOTAS
- A canção “Dança do Ouro” entrou também no álbum “Deseo” de 1994, focado em ritmos latinos, do cantor Jon Anderson que dobra a voz com o Boca Livre.
- O single “Rio Grande”, de 2023, traz a participação dos músicos: Aleska Chediak (violoncelo), João Carlos Coutinho (teclados), Marcelo Costa (bateria e percussão) e Zé Nogueira (sax soprano).
- Pesquisa histórica, pesquisa musical e texto por Nando Cury
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