Album outra vez na estrada. Sá, Rodrix & Guarabira
COM O PÉ NA ESTRADA

As primeiras longas viagens em família que me lembro foram feitas com o lendário Fusca 59, lá pras bandas do Sul do país, nos anos 60. Ia mala grande no capô, ia mala média atrás do banco traseiro do fusca. Para completar, papai instalava na capota do carro um bagageiro pra acondicionar mais uma mala pequena e algumas bugigangas, que eram cobertas com uma lona impermeável. Mamãe e papai na frente, eu e minhas irmãs no banco de trás. Assim que o carro entrava na estrada eu começava a enjoar. Meus pais colocavam jornal na minha barriga, me davam limão pra mastigar, água da Prata com gás …era um sufoco.

Enfrentar estrada é questão de escolha de roteiro, condições de tempo, horário, confiança, preparo físico e mental… Melhor viajar de dia, quando” todo santo ajuda”? Ou à noite onde “todos os gatos são pardos”, uma velha expressão que meu pai usava, pra justificar sua preferência em fazer viagem segura somente no claro do dia. Outra opção estratégica para não pegar congestionamentos de trânsito em dias de feriados é rodar pela madrugada, sob a confidência da luz de estrelas e luares. Ou na pura necessidade, transitar em situações adversas, como densa neblina, chuva forte e até com pedras de granizo, contando com a ajuda divina, mantendo velocidade constante, acendendo os faróis e tocando em frente, como faria Airton Senna.

Dá pra imaginar quantos quilômetros de estrada já percorremos na vida? A pé. De trem, ônibus ou de carro. Por estradas de terra, de asfalto, trafegando em rodovias de mão única e mão dupla, tripla. Viagens por rodovias retas-soníferas, como a Washington Luís. Por estradas curvas-infinitas, feito aquela que leva a São Francisco Xavier. Estradas paisagens- repousantes entre montanhas, rios e vales. À beira mar, respirando a brisa e curtindo vistas de praias e oceano em diferentes verdes-cores.

Considerando viagens musicais, quantos anos de estrada tem um artista? E quanto de estrada ainda vai percorrer? Aos 75 anos de idade, James Taylor é uma referência de energia profissional associada a grande carisma. Assim como são Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros talentosos artistas brasileiros e estrangeiros que já passaram dos 70. Com quatro anos a mais que James, os bravos Mick e Keith mais os outros Stones ainda rolam tranquilos os seus shows pelo mundo. E olha que começaram em 1962.

Mas vamos pensar nos artistas da nossa terra. Eles têm bagagem ou não? Lógico que tem. Podemos começar por um trio, que depois virou dupla. Falou em botar o pé na estrada e andar por esse Brasil afora, lá estão eles na “Primeira Canção da Estrada” (Luiz Carlos Sá/ Zé Rodrigues) do LP “Passado, Presente, Futuro” de 1972, como Sá, Rodrix e Guarabyra: “Apesar das minhas roupas rasgadas. Eu acredito que vá conseguir. Uma carona que me leve pelo menos à cidade mais próxima.

Onde ninguém vai me olhar de frente. Quando eu tocar na velha guitarra. As canções que eu conheço. Eu tinha apenas dezessete anos. No dia em que saí de casa. E não fazem mais de quatro semanas que eu estou na estrada.” No ano seguinte, os três lançaram o álbum “Terra”, que inclui a bela música “O pó da estrada” composta por Sá, Rodrix e Guarabyra. ”O pó da estrada gruda no meu rosto. Como a distância, matando as palavras. Na minha boca sempre o mesmo assunto…O pó da estrada brilha nos meus olhos….” E não deu mais de um ano, quando surgiu a “Segunda Canção da estrada”, composta por Sá e Guarabyra. Então separados de Zé Rodrix, os dois lançaram a canção dentro do LP “Nunca” em 1974.” Quero ir pra casa. Não vejo minhas coisas. Desde o começo de abril. Um relógio velho. Me espera parado. Desde o começo de abril. Tem uma menina. Que eu encontrei na estrada.”

Outro cantor que adora falar de estradas é Roberto Carlos. Na época da Jovem Guarda, em 1969, dirigindo um de seus possantes carros, escreveu com Erasmo Carlos: “As Curvas da Estrada de Santos”, onde ele dirige velozmente e tenta esquecer uma antiga paixão. “Se você pretende saber quem eu sou. Eu posso lhe dizer. Entre no meu carro, na estrada de Santos. E você vai me conhecer.” Roberto também aparece, em 1984, na pele de um “Caminhoneiro” (Erasmo Carlos/ Roberto Carlos/ John Hartford), assumindo o volante de seu caminhão e sentindo saudades da amada. “Todo dia quando eu pego a estrada. Quase sempre é madrugada. E o meu amor aumenta mais. Porque eu penso nela no caminho. Imagino seu carinho. E todo o bem que ela me faz.”

Propondo um incrível diálogo entre “A estrada e o violeiro”, Sidney Miller conquistou o prêmio de melhor letra no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967. A interpretação foi do próprio Sidney Miller e da musa Nara Leão. “Sou violeiro caminhando só. Por uma estrada caminhando só. Sou uma estrada procurando só. Levar o povo pra cidade só.”

Clube da esquinaPra lembrar de estrada de terra, Milton Nascimento grava em seu álbum Gerais, de 1970, a música “Carro de Boi” (Mauricio Gomes/ Antonio Carlos Ferreira De Brito/ Cacaso): Que vontade eu tenho de sair. Num carro de boi, ir por aí. Estrada de terra que. Só me leva, só me leva. Nunca mais me traz.” E em 1978, Milton traz a personagem estrada de volta na canção “Clube da Esquina Número 2”, que compôs em parceria com Lô Borges e Marcio Borges. “Porque se chamava moço. Também se chamava estrada. Viagem de ventania. Nem se lembra se olhou pra trás. Ao primeiro passo, asso, asso, asso, asso”.

 

Nota: Sugestão de tema e pesquisa musical por Toni Liutkevicius. Texto por Nando Cury.

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