COM TEMPERO FICA MELHOR
Percebemos que a vida bem temperada flui mais bonita. Quando sentimos um novo sabor, parece que somos empurrados a seguir em frente. Nos animamos a realizar aquele projeto que estava parado. Continuar, com mais energia, os trabalhos rotineiros.
Do mesmo modo, faz efeito aquele tempero que acende ou reacende a paixão, a solidariedade, transforma pra melhor a nossa relação em família, com nossos amigos, nossos clientes, enfim com todos que convivemos.
Mas, os temperos em sua concepção nata vivem em hortas, depois potes, saquinhos ou vidros. E vão morar na cozinha. Cozinheiros escolhem a dedo quais pitadas de ingredientes seculares, e seus aromas característicos, serão combinados em uma ou outra receita. E podem agradar mais o paladar dos candidatos a degustadores. Lembrando que uma pitada equivale a 2,5 gramas.
Historicamente o sal e a pimenta representam os temperos mais antigos que utilizamos. Muito antes da invenção do congelador, o sal era utilizado para preservar alimentos. Já foi um produto caro e raro, representando valiosa moeda. O Império Romano pagava seu exército com sal, daí vem o termo salário (salarium, em latim).
Temperos são homeopáticos, por isso estão liberados – com parcimônia, claro – em milhares de receitas. O sódio, Na+, principal componente do sal, é vital para manter o equilíbrio hídrico do nosso corpo, ajuda a gerar e conduzir os impulsos nervosos. Já a pimenta do reino auxilia o sistema digestivo e atua como agente antibacteriano. O açafrão protege o coração. Pó de gengibre combate a azia e tem efeito anti-inflamatório. Limão é diurético e evita pedras nos rins. Somente para citar os efeitos saudáveis de alguns mais conhecidos.
Inevitavelmente, temperos deixam mais saborosos os versos das canções. Zé Rodrix fala do seu desejo de ter a presença da dupla famosa S&P em sua Casa no Campo, que lembramos mais na voz de Elis Regina: “Eu quero a esperança de óculos. E meu filho de cuca legal. Eu quero plantar e colher com a mão. A pimenta e o sal”.
Sá e Guarabyra trazem as lembranças de suas passagens pelo sertão nordestino, em especial pela cidade baiana de Correntina, banhada pelo rio Corrente. Foi lá que Zé Sales, dono de um rancho local, preparou uma carne de sol, um pirão de peixe, adicionando uma quantidade extra de pimenta, para eles degustarem, de leve. As viagens e o prato apimentaram também o ótimo álbum “Pirão de peixe com Pimenta, de 1977.
Temperar com limão é muito bom. Como cita Djavan em “Limão” de 1994. “É dia de colher, é dia de pescar, preparar o peixe. Cheiro de limão me encanta. Como se sente o fruto do limoeiro?”
Milton Nascimento e Ronaldo Bastos perguntam à morena e à cigana, personagens de “Cravo e Canela” (1972) sobre os mistérios desses temperos: “Ei morena quem temperou. Cigana quem temperou. O cheiro do cravo. Cigana quem temperou. Morena quem temperou. A cor da canela.”
De tanto usarmos e experimentarmos os temperos, eles acabam brotando residuais aromáticos que exalam de nossos corpos. Em certos momentos servem para lembrar um sentimento, tal qual na linda música “Cebola cortada” de Clodô e Petrucia Maia, interpretada pelo MPB-4 em 1979. “A cachoeira cantando é a canção natural. Sempre lembrando pra gente que amar nunca faz mal. Teu amor é cebola cortada, meu bem, que logo me faz chorar”,
Em outra ocasião, atuam para perfumar traços de personalidade em formação, como retratam Zé Renato e Juca Filho em “As Moças” (Boca Livre, 1980): “Manga-rosa, carambola, jambo, fruto e flor. Meigamente Mariana esconde seu sabor. Alecrim, manjericão, camélia, floração. Gabriela meigamente, inquieto coração”.
Nota: pesquisa histórica, musical e texto por Nando Cury.
Cabeçalho / Freepik
Capa / Freepik
Alho / Freepik
Cebolinha e salsinha / Freepik
Temperos em pó / Freepik
Cebola, alho, tomate, salsa / Freepik
OUÇA O PODCAST DESTE TEXTO COM AS MÚSICAS. CLIQUE AQUI.
Compartilhe: