ENTRE SACIS, SEREIAS e LOBISOMENS
Eles já apareceram em nossos sonhos. Foram protagonistas de intrigantes estórias que ouvimos quando pequenos. Cheios de mistérios, mexeram com nossas emoções e continuam em nossa memória. Na realidade, são muito menos assustadores que os fantasmas atuais da inflação, dos impostos, da ansiedade, da insegurança, do egoísmo, da insensatez… Mas, nestes momentos, vamos esquecer destas assombrações adultas e adentrar nos mistérios de alguns personagens do folclore brasileiro.
O mais travesso dessa turminha vive no interior do mato e nasce dos gomos de bambus. É um menino negro de uma perna só, que fuma cachimbo e usa uma carapuça vermelha que lhe confere poderes. Fez um pacto com os rodamoinhos de vento que o levam para onde ele desejar. Adora fazer objetos desaparecerem e dar sustos naqueles que tem medo do escuro. Já aprontou poucas e boas como personagem do livro de Monteiro Lobato, ator de série especial de televisão, em O Sítio do Picapau Amarelo, ganhou um camarote no imaginário dos cidadãos botucatuenses com a Associação Nacional dos Criadores de Saci.
O místico personagem batizou produtos. Inspirou canções, como: “Saci”, de Paulo Jobim e Ronaldo Bastos, com Boca Livre, do LP Bicicleta de 1980; “Pererê Peralta” de Carlinhos Brown, uma das trilhas do Sítio do Picapau Amarelo; Saci-Pererê, composição de Gilberto Gil, gravada por Luiz Melodia no DVD “Lendas Brasileiras” de 2006. ”No interior da mata o saci. Esperando quando a noite chegar. Ele quer brincar com fogo e sorrir. Quer montar no seu cavalo e brincar”.
A mais embusteira é a Iara ou sereia que mora nas profundezas das águas. Metade mulher e metade peixe, atrai os homens com sua estonteante beleza e seu irresistível canto que pode leva-los à morte. Enquanto aguarda os mais desavisados e prepara emboscadas, passa o tempo sentada sobre as pedras, penteando seus cabelos negros, admirando a própria beleza refletida nas águas e brincando com os peixes. Diz a lenda que os homens que conseguem escapar dela e retornar à superfície ficam loucos. Só um pajé verdadeiro é capaz de curá-los. A sereia Iara é de longe a mais requisitada, com cachê alto.
Está presente na marca de famosa cafeteria. Já fez filmes na adolescência (A Pequena Sereia), participou de minisérie de TV “O Canto das Sereias”, dirigida por Jayme Monjardim, dirigiu carro em comercial de SUV e é a mais citada nas canções. Aparece em trilha de novela “A força do querer” na canção “Sereia” de Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Em músicas como “Açaí” de Djavan: “A paixão, puro afã. Místico clã de sereia, castelo de areia. Ira de tubarão, ilusão. O Sol brilha por si”. Está também em “Mamãe D´água” do disco Revolver de Walter Franco: “Iara eu. Iara eu te amo. Iara eu te amo muito…” Entra misteriosamente na canção “A novidade” (Herbert Viana, Gilberto Gil, Bi Ribeiro e João Barone) dos Paralamas “A novidade veio dar à praia. Na qualidade rara de sereia. Metade o busto de uma deusa Maia. Metade um grande rabo de baleia.”.
O mais assustador desses personagens tem um destino fixo. Nos primórdios, um homem foi mordido por um tipo de lobo e ficou enfeitiçado. Assim, nas encruzilhadas, em noites de lua cheia por volta da meia-noite de sextas-feiras, 13, ele vira um monstro, mistura de homem com lobo, um lobisomem. Mas, apesar desse seu fardo de transformer, consegue sobreviver financeiramente e tem contribuído com a cultura.
Já fez vários filmes, ajudou uma banda a ter muito sucesso, Os Secos e Molhados, com a canção “O Vira” (João Ricardo e Luli) em 1973: “Bailam corujas e pirilampos. Entre os sacis e as fadas. E lá no fundo azul, na noite da floresta. A lua iluminou a dança, a roda, a festa. Vira, vira, vira, Vira, vira, vira homem, vira, vira. Vira, vira, lobisomem”.
Além disso, conseguiu participar de novelas, como em Saramandaia (Globo, 1975), e ser destacado na “Canção da meia noite” de Zé Flávio Alberton de Oliveira, sucesso de Os Almondegas, que tinham Kleiton e Kledir como líderes: “Quando a meia-noite, me encontrar. Junto à você. Algo diferente vou sentir. Vou precisar me esconder. Na sombra da Lua cheia. Esse medo de ser. Um vampiro, um lobisomem…”
NOTA: pesquisa histórica e musical, texto por Nando Cury
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