MARCOS VALLE: UMA BIOGRAFIA MUSICAL DE 60 A 70
Marcos Valle nasce em 14 de setembro de 1943 no Rio de Janeiro. Dos 5 aos 16 anos estuda piano clássico. Em 1956 formar-se no conservatório em piano e teoria musical. Além disso, estuda acordeom e violão. Inicia sua carreira artística em 1961, integrando um trio, com Edu Lobo e Dori Caymmi, quando começa a compor suas primeiras músicas. Em 1963, acontece a gravação da canção “Sonho de Maria”, de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, pelo Tamba Trio. De personalidade eclética, convive com músicos de diferentes formações e nacionalidades, expondo-se a várias influências rítmicas. Navega do samba e bossa nova para o pop, música negra norte-americana (R&B), baião, tango, disco music, música eletrônica e jazz. Com Paulo Sérgio Valle e o jornalista e compositor Nelson Motta, Marcos Valle cria a produtora Aquarius, na qual produzem temas musicais para filmes, jingles e trilhas para novelas. Em 1971, compuseram a canção “Um novo tempo” para um final de ano da Globo. Importante destacar que o irmão, poeta e parceiro Paulo Sérgio Valle tem participação fundamental na bem sucedida e longa trajetória musical de Marcos Valle
Em 1963, Marcos Valle grava o primeiro LP “Samba Demais”, pela Odeon, com composições em parceria com Paulo Sérgio Valle, como “Amor de nada” e “Ainda mais lindo”, canções de Tom Jobim (“Vivo sonhando”), Tom e Vinicius de Moraes (“Ela é carioca”) e de Johnny Alf (“Ilusão à toa”), recebendo vários prêmios.
O LP seguinte, “O Compositor e o Cantor, acontece em 1965. Neste segundo álbum estão presentes a clássica “Preciso aprender a ser só”, “Gente” e a sua mais famosa canção “Samba de verão”, todas em parceria com seu irmão Paulo Sérgio Valle. Gravada pelo cantor Walter Wanderley, “Samba de Verão” chega ao segundo lugar nas paradas de sucesso norte-americanas nesse ano. Samba de verão recebeu mais de 100 versões, incluindo a “Summer Samba, So Nice” de Sergio Mendes e Brasil 65. Com Marcos Valle, Samba de Verão. “Você viu só que amor nunca vi coisa assim. E passou, nem parou, mas olhou só pra mim. Se voltar, vou atrás, vou pedir, vou falar. Vou contar que o amor foi feitinho pra dar. Olha é como o verão quente o coração. Salta de repente só pra ver a menina que vem. “
Em 1965 Marcos vai para os Estados Unidos em companhia da então esposa Anamaria de Carvalho Valle. E, durante sete meses, eles fazem parte do Brasil 65, o conjunto de Sergio Mendes. Gravam entre outras canções um compacto duplo em 45 RPM mono com “All my loving” (Lennon & Mc Cartney) e “The telephone song”, versão de Telefone de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, destacando as vozes de Marcos e Anamaria.
“Brazilience”, feito totalmente de composições instrumentais, é o primeiro álbum de 1968. Neste mesmo ano realiza as gravações do LP “Samba 68” que traz como diferenciais os arranjos de Eumir Deodato, a participação de grandes músicos norte-americanos, as versões em inglês de Ray Gilbert para suas músicas e os vocais e duetos com Annamaria Valle. Indispensáveis são: “Summer samba” (Samba de verão), “The face I love” (Seu encanto) e “The crickets sing for Anamaria” (Os Grilos).
Em 1968 chegam mais sucessos com seu álbum “Viola enluarada”. Imperdível é a faixa título, composta com Paulo Sérgio Valle e cantada em duo com Milton Nascimento, mais o apoio vocal dos Golden Boys. Destacam-se ainda as canções “Terra de ninguém” (Paulo Sérgio Valle e Marcos Valle), “Proton, elétron, nêutron” (Paulo Sérgio Valle e Marcos Valle) e o frevo “Pelas ruas do Recife” (Paulo Sérgio Valle, Marcos Valle e Novelli). “A mão que toca um violão. Se for preciso faz a guerra. Mata o mundo fere a Terra. A voz que canta uma canção. Se for preciso canta um hino. Louva a morte. Viola em noite enluarada. No sertão é como espada. Esperança de vingança. O mesmo pé que dança um samba. Se preciso vai à luta. Capoeira.” (Viola Enluarada)
O álbum “Mustang cor de Sangue” de 1969 mostra a versatilidade rítmica de Marcos Valle. Num momento de pouca expressão da bossa nova, inspira-se no pop-rock da música norte-americana para criar um groovie-soul e ajudar a promover a onda de “pilantragem” comandada por Wilson Simonal. Foi muito recebida pelo público a música título do álbum “Mustang cor de sangue”, da parceria com Paulo Sérgio Valle, que poucos meses depois virou um grande sucesso na gravação de Wilson Simonal. “A questão social, Industrial. Não permite e não quer. Que eu ande a pé. Na vitrine um Mustang cor de sangue. A questão social, industrial. Não permite que eu seja fiel. Na vitrine um Corcel cor de mel”.
O ano de 1970 traz o lançamento do LP “Marcos Valle”, apresenta uma capa polêmica, na qual o artista aparece deitado sem camisa, coberto com um lençol numa cama. E marca o início dos pedidos para criação de trilhas para as novelas da Globo. A canção “Quarentão simpático”, parceria c/ Paulo Sérgio Valle, é da novela “Assim na Terra como no céu”, das 22h e “Pigmalião”, composta com Paulo Sérgio Valle e Novelli, é da novela Pigmalião 70, das 19h. No álbum, Marcos recebe o requintado apoio dos músicos do Som Imaginário, formado por Wagner Tiso ao piano, Tavito na guitarra, Luiz Alves no baixo e Robertinho Silva na bateria.
Garra, o álbum de 1971, é certamente o mais arrojado de Marcos Valle. Considerando-se que, nessa época, o país era governado por um regime não democrático que censurava letras, títulos e imagens das capas dos álbuns. E as criações de Marcos e Paulo Sérgio Valle não escapavam de cortes. Na capa do LP Garra aparece a composição da foto do rosto sereno de Marcos com o corpo de uma ave de rapina de asas verde amarelas e garras aparentes. Além disso, há o duplo sentido das palavras que dão nomes às canções, como a própria “Garra” (Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle), “Jesus, meu rei” (Marcos Valle, Paulo Sergio Valle), “Com mais de 30” (Marcos Valle, Paulo Sergio Valle), “Que bandeira” (Marcos Valle, Paulo Sergio Valle e Mariozinho Rocha) e “Black is beaultiful” (Marcos Valle, Paulo Sergio Valle), que, após gravação por Elis Regina, transforma Marcos e Paulo Sergio Valle em defensores da causa negra. No repertório tem ainda a inovadora trilha da novela “O Cafona” (Marcos Valle. Paulo Sérgio Valle) da Globo, de 1971.
Em 1972, uma nova incumbência musical. Criar, junto com Paulo Sérgio e Nelson Mota, a trilha completa para a abertura e todos os personagens da série Vila Sésamo, que originalmente era espelhada na série americana Sesame Street. E transmitida pela TV Cultura e pela Globo. A partir de 1973, foi nacionalizada ganhando novos personagens, músicas, cenários e quadros temáticos. Marcos divide os vocais com João Mello e Suzana Machado, formando o Trio Soneca. Em 1974 sai o LP com a trilha completa de Vila Sésamo que, até 1977, é exibida pela Globo.
O LP Vento Sul, de 1972, representa um momento de contestação pessoal. Para superar os momentos de pressão dos trabalhos encomendados para as trilhas, Marcos aluga uma casa em Búzios, RJ. Lá explora tranquilo a sua liberdade criativa e organiza o repertório do novo disco. Em “Vento Sul” é acompanhado pela banda O Terço, composta por Cezar das Mercês (baixo), Sérgio Hinds (violão e guitarra) e Vinícius Cantuária (bateria), que ajudam nos vocais. Destacam-se o xaxado “Malena” e a sentimental “Deixa o mundo e o sol entrar”, ambas de Marcos e Paulo Sergio Valle.
Em 1973, mais um desafio, agora para Marcos e Paulo Sérgio. Que tal criar temas musicais para diversas situações da vida pessoal e profissional de um piloto famoso de Fórmula 1? Assim surgem as trilhas para o disco e o filme “O Fabuloso Fittipaldi”, de Roberto Farias e Hector Babenco, que selam a duradoura parceria dos irmãos Valle com os integrantes do Azimuth, grupo então formado por José Roberto Beltrami ao piano e sintetizadores, Alex Malheiros no baixo e Ivan Conti “Mamão” na bateria. As músicas de Marcos ganharam nova sonoridade. O nome Azymuth, que em árabe significa caminho ou direção, é inspirado em uma canção de Marcos e Paulo Valle. Além de lindas trilhas, o LP “O Fabuloso Fittipaldi” traz o tema de Maria Helena, primeira esposa do piloto. A canção é interpretada por ela com Marcos Valle e Azymuth.
Para 1974 chega o álbum “Marcos Valle” com o selo da Odeon. Traz o suporte de um grupo de excelentes músicos como Wagner Tiso (órgão), Helinho Delmiro (guitarra), Luizão (baixo), Ubiraja Silva (bandoneon), Robertinho Silva (bateria), Tavito (guitarra, viola acústica, violão), flautistas e metais (fagote, trumpete, oboé, clarinete). Conta com o apoio vocal dos cantores Renato Corrêa, Malú, Cláudia Telles, Regininha, Mariazinha, além de Tavito. A direção musical é do Maestro Gaya. Merecem ser ouvidas preferencialmente as canções: “Novelo de lã“ (Marcos Valle, Walter Mariani), “Cobaia” (Marcos Valle, Walter Mariani e a inovadora “Meu herói” (Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle) a faixa carro-chefe. ”Meu herói já chorou. Já morreu de medo. Meu herói é fraco. Ele é um fracasso. Meu herói é amor. Só sabe dar beijos. Nunca foi de briga
Se brigar apanha.”
Entre 1975 e 1980 Marcos volta a morar nos Estados Unidos. E registra participações em dois LPs de Sarah Vaughan. O “I Love Brazil”, que traz as versões “If you went away” e “The face I love” , respectivamente de “Preciso aprender a ser só” e “Seu encanto”, em parceria com Paulo Sérgio Valle. E o álbum “Song of Beatles” de Sarah Vaughan, interpretando com ela “Something” de George Harrison. Marcos trabalha também com o instrumentista e compositor Airton Moreira, ajudando-o nos arranjos do disco “Touching you, touching me” de Airton, que foi indicado para o Grammy. E, em 1979 recebe pedido de Peter Cetera, da banda Chicago, para gravar com eles sua música “Life is what it is” (Marcos e Paulo Sérgio Valle, Ray Gilbert).
NOTA: pesquisa histórica, musical e texto por Nando Cury
Imagens: Capas de álbuns de Marcos Valle
Ouça a versão com as músicas em:
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