AJUSTANDO O MAPA MENTAL
Há tempos, comento, e me gabo com meu filho, pelo fato de guiar pela cidade de São Paulo sem precisar de GPS. Uso o meu mapa mental, que adquiri com a experiência de dirigir desde 1971 e a longa convivência com os diferentes “personagens” urbanos. O mapa mental é, resumidamente, uma composição visual de certas referências para se chegar a determinados destinos. Uma espécie de roteiro da memória. Se vou a um lugar, acabo registrando e guardando na memória as ruas, praças, marcos (igreja, caixa d´água, supermercado) que aparecem no trajeto. Isso me permite trafegar novamente as mesmas rotas por pura intuição.
E quando o caminho é novo ou desconhecido como fazer para chegar ao destino? Por um bom tempo, mais ou menos até o final dos anos 90, utilizei os guias de ruas impressos (Mapograf e 4 Rodas). Para consulta-los tinha que folhear as páginas até o destino final. Mas, era comum que na página 67, por exemplo, houvesse uma parada de orientação e o guia me mandasse lá para a página 134, onde estava a continuação do trajeto. E assim, havia outros pulos, na sequência. Vale lembrar que nessa época anterior também não se usava celular. Dos anos 2000 para frente, os guias foram gradativamente substituídos pelos apps com GPS, sistema de navegação com medidas precisas de localização geográfica, orientação on time, via satélites. E acesso pelos celulares ou direto nos painéis dos carros mais modernos.
Meu carro, já na condição de um vintage, não tem painel com GPS. Assim, quando a localização foge do meu domínio memorial, acesso pelo celular o Waze ou Google Maps. Saio de casa com o app ligado e direcionado. E depois, dou espiadelas – não poderia – na tela do celular. Porém, veja que dilema. Não uso óculos para dirigir e preciso de óculos para ler mensagens no celular. Outra dificuldade vem da minha formação analógica, que dificulta minha percepção e interpretação do que se desenrola no trajeto do app. Aparecem na tela do celular várias informações simultâneas: horário, tempo que falta pra chegar, quantos quilômetros pro destino, em cima vem uma seta, além da distância e o nome da próxima rua pra virar. Ah, não posso esquecer da condução verbal da Wazeânia ou da Google Mapiana, com suas potentes vozes, indicando cada ação. Não raras vezes, a voz chega com atraso ou delay. Estou ouvindo o nome de uma rua, praça ou avenida e já passei por ela. Ou acontece que o nome que aparece na placa da esquina não é o mesmo que foi falado pela moça, pois a rua ou a avenida mudou de nome exatamente naquele quarteirão. Ao cometer um erro de trajeto, logo recebo um sinal do app, corrigindo a rota. A moça continua falando e pede para eu virar na seguinte rua x. Nessa altura da maratona, já perdi o foco. Estacionei o carro. Desliguei o app e mudei pro outro. O pior mesmo é quando estou quase chegando ao destino e a moça avisa: -“O sinal de GPS foi perdido”. Aí já é demais. Além de confuso, desoriento total. Da última vez que eu perdi a rota, por causa do GPS, fui parar na Avenida Rio Branco, hoje infelizmente um ponto de nóias. Que sufoco, cara. Por essa e outras, já pesquisei e encontrei na internet uma edição, novinha em folha, do Guia Mapograf 2020-21, com 136.225 Ruas de São Paulo e Municípios. Está custando a bagatela de R$59,99. Vou comprar e não guio mais sem este “mapa mental”.
Dentro deste tema, aproveito para mudar de rota. E mostrar como alguns compositores orientam seus caminhos criativos. Usam ou não GPS para formar seu mapa de poesia musical? Para Caetano Veloso, em “Meu bem, meu mal”, o roteiro com GPS pessoal foi este: “Você é meu caminho. Meu vinho, meu vício. Desde o início estava você. Meu bálsamo benigno. Meu signo, meu guru. Porto seguro onde eu vou ter.”
E se por acaso o destino procurado “Não Tem no Mapa”, como na canção de Ana Carolina e Bruno Caliman. “Às vezes eu me chamo por aí. E eu mesmo digo que não estou. E lá fora meu desejo e meu olhar. Um pra cada lado pra te procurar. Eu queria te esquecer. Mas quem vai me ensinar. Eu acelero, corro, não tem placa. É outra rua que não tem no mapa.”
Pode ser ainda um trajeto que passa por baladas ou bares com músicas ao vivo, como indica “Mapa” de Rodrigo Melim, Vitor Tritom, Diogo Melim, Lelê e Vitor Kley. “Pede o relógio pra parar. Será que dá pro tempo desacelerar? Tô rodando a cidade, em becos e bares. A te procurar. Seu beijo tem um jeito singular. Seu toque na pele é calor de queimar. É delicado e selvagem. Te quero até a minha tatuagem desbotar. Vila Madelena, noite de Ipanema. Bora juntos se perder. Me leva aonde tá você. Pelo seu mapa eu vou.”
Lembro de num feriado na casa de amigos em Holambra, andando de bicicleta, com a orientação de uma guia profissional que nos levou por estradas até empresas de plantação de flores. Raquel, uma querida amiga de infância, agora aproveita seus momentos de folga para servir de guia para turistas que querem conhecer as lindas formações rochosas e cachoeiras da Cuesta de Botucatu.
Mapa mental foi um dos subtemas mais interessantes nos estudos para meu Mestrado em Comunicação. Falo do começo dos anos 2000, quando a paisagem de Sampa estava repleta de anúncios e comunicações de todos os formatos e tamanhos. Outdoors, totens, empenas (nas paredes de edifícios), cartazes nos topos de prédios, nas fachadas de empresas, placas com nomes de ruas e de sinalização de trânsito e outras. O objetivo-desafio temático era classificar os diferentes tipos de comunicação exterior existentes na paisagem urbana. Defini roteiros em bairros centrais e fui fotografando as peças comunicativas, meus objetos de estudo. Mas, antes disso tive aulas de urbanismo para entender como funcionavam as estruturas arteriais da cidade. Aí entrou a compreensão de mapa mental.
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