Homem com óculos
OLHAR DE VER E DE ENXERGAR

A vida vai passando, olha pra gente. A gente, desligada, no automático, nem olha, não vê, não enxerga a vida passar. Vai seguindo em frente. Se desviar o olhar pode tropeçar, ou esquecer daquilo que ia fazer. Se algo incomoda os olhos, o caminho é incomodar o oculista. Mais cedo para alguns, mais tarde para outros, um par de óculos será o fiel companheiro de estrada. Para melhorar a nitidez de perto, a percepção de longe ou para ambas as deficiências. Pois, fisicamente, hoje olhamos muito mais a vida através de diferentes telas, que emitem luzes diretamente nas nossas pupilas. E, com o passar do tempo, ficam mais frágeis, mais incompetentes pra exercer suas funções naturais. A começar pelo visor do nosso inseparável celular. Indo para a tela do laptop ou PC. Contemplando no interior do carro, diversas luzes do painel que nos alertam para lanternas, faróis, temperatura do óleo e da água, nível de gasolina e outros. Passando pelos aparelhos eletrônicos caseiros que tem uma luzinha de alerta, avisando “olha estou ligada”, “oi, estou desligada”.

Mas, quando a gente para tudo, por alguns momentos, por algum motivo ou descoberta e olhamos direto pra vida, aí não estamos usando o olhar de ver, e sim o olhar do da razão. É quando queremos enxergar não só o que está na nossa frente, mas ao nosso redor, dentro de nós. Noutras vezes o que está funcionando é o “olhar do coração”, que nos permite sonhar, imaginar, sentir uma energia maior que, dependendo da intensidade, é chamada de atração, paixão ou até amor.
Direcionando os olhos para a poesia musical, o que é que se passa nos olhares que vem da mente, imaginação e do coração dos poetas? Vamos tentar perceber, nas letras de algumas canções. Por exemplo, pode estar presente o olhar reflexivo, feito presença ou passagem pelo espelho. Como expõe Marisa Monte em Blanco (Marisa Monte, Octávio Paz, Haroldo de Campos, álbum “Barulhinho bom” de 1996). ”Me vejo no que vejo. Como entrar por meus olhos em olho mais límpido. Me olha o que olho, é minha criação isto que vejo.”

Olhar feminoNas diversas maneiras de se olhar, será que é fácil adivinhar o que está por trás de um olhar mais intenso? Qual é a “química” que se forma num encontro entre olhares? Uma referência deste tipo de olhar é expressa na proposta de Lenine em “O homem dos olhos de Raio X “(Oswaldo Lenine e Macedo Pimentel, Falange Canibal, 2002): “Quando você piscou por mim o aroma. Me despertou de um estado de coma. Quando você partiu pra mim o embaraço. Deu ferrugem nos meus nervos de aço. Meus olhos de raio X cegaram de medo. Pois tua alma é de chumbo e segredo.” O mesmo acontece na canção “De janeiro a janeiro” (Roberta Campos, Para aquelas perguntas tortas, 2008), cantada por Nando Reis e Roberta Campos: “Não consigo olhar no fundo dos seus olhos. E enxergar as coisas que me deixam no ar… Olhe bem no fundo dos meus olhos. E sinta a emoção que nascerá quando você me olhar”. Situação parecida que se passa em “Pela luz dos olhos teus” de Vinicius de Moraes e Tom Jobim (Miúcha e Antonio Carlos Jobim, 1977): “Quando a luz dos olhos meus. E a luz dos olhos teus. Resolvem se encontrar. Ai que bom que isso é meu Deus. Que frio que me dá o encontro desse olhar.”

Há também aquele olhar de enfrentamento, de botar os pingos nos is, encarar para tirar as dúvidas, acertar as contas. O olhar DR. Assim prevê Chico Buarque em “Olhos nos olhos” (Meus Caros Amigos, 1976): “Olhos nos olhos, quero ver o que você diz. Quero ver como suporta me ver tão feliz”. Em certas ocasiões, pode aparecer o olhar enigmático, que deixa a relação com um pé atrás. É o que declara Djavan em “Segredo” (álbum “Meu lado” de 1986): “Desses olhos. Tenho medo. Quer dizer tudo. Tudo é segredo”. E, novamente, o próprio Chico Buarque retrata em “Lígia” (Sinal Fechado, 1974): “E quando você me envolver. Nos seus braços serenos. Eu vou me render. Mas seus olhos morenos. Me metem mais medo. Que um raio de sol.”

Outra forma ocorre através do olhar terapêutico, que acolhe, invade como um remédio e cura. E está inserido na canção “O seu olhar” de Arnaldo Antunes e Paulo Tatit (Ninguém, 1995).” O seu olhar lá fora. O seu olhar no céu. O seu olhar demora. O seu olhar no meu. O seu olhar, seu olhar melhora. Melhora o meu.”
Feito mistério, as músicas nos tocam, olham pra gente. A gente escuta, se liga, ouve e enxerga lá dentro as diversas fases do olhar.

Fotos:
Olhar masculino Nonsap-visuals
Olhar feminino Marina Vitale

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